Blog Entrevista Responsável Pelo Projeto SARA

Olá leitor!

Após um longo período trago novamente mais uma entrevista da Série Com Personalidades do Programa Espacial Brasileiro (PEB) deste vez para abordarmos o Projeto SARA que considero de suma importância para ciência, tecnologia e em longo prazo também para Defesa do país.

Não obstaste o grande significado do projeto em questão, como colocado à cima, vale dizer também que tenho um carinho especial pelo mesmo, devido ter conhecido, e admirado o seu idealizador e maior defensor, o Dr. Paulo Moraes Junior, bem como também o outro grande coordenador do projeto que o conduziu por muitos anos, ou seja, o Dr. Luis Eduardo Loures da Costa, hoje locado no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) onde coordenada o Projeto do ITASAT-1.

Assim sendo, e diante dos vários pedidos de leitores que nos procuraram após um período do acidente com a Operação São Lourenço (VS-40M/ SARA Subortital I), resolvi entrar em contato com a Sra. Glória Regina Esteves de Lira (Chefe de Gabinete do Instituto de Aeronáutica e Espaço - IAE) para lhe solicitar uma nova entrevista com o Major Élcio Jeronimo de Oliveira (coordenador do projeto e atualmente adjunto do Chefe da Subdiretoria de Espaço do IAE).

Nesta entrevista de 2017, o Major Jerõnimo faz um relato minucioso do que ocorreu com o SARA durante o acidente, que talvez seja melhor compreendido pelo leitores especializados do Blog, bem como também nos traz um quadro real do atual momento do projeto, ou seja (em suas próprias palavras), o mesmo está hibernando.

A situação leitor deste Projeto é hoje muito grave e você entenderá melhor a sua gravidade ao ler com atenção esta entrevista do Major Jerônimo. Como brasileiro é frustrante para mim observar que, ou a Sociedade Civil se movimenta para cobrar do Governo comprometimento e seriedade com este projeto estratégico (talvez através de Petição Pública formulada por especialistas) ou o mesmo acabará em breve no MAB como uma lembrança de um país de mentira que não tem compromisso com nada.

Quero aqui agradecer primeiramente a Sra. Glória Regina Esteves de Lira (que mesmo adoentada e afastada temporariamente do IAE se mobilizou para conseguir esta entrevista), bem como a Sra. Giovana Gomes Moreira, a Direção do IAE na pessoa do seu diretor, o Brig. Eng Augusto Luiz de Castro Otero, bem como é claro, ao Major Élcio Jeronimo de Oliveira, todos pela a atenção dispensada ao Blog BRAZILIAN SPACE. Muito obrigado a todos vocês

Duda Falcão

Mj. Élcio Jeronimo de Oliveira
BRAZILIAN SPACE: MJ. Élcio de Oliveira, para aqueles leitores que ainda não o conhecem nos fale um pouco sobre o senhor, sua idade, formação, onde nasceu...?

MJ. ÉLCIO JERONIMO DE OLIVEIRA:  Sou natural do Rio de Janeiro e tenho 48 anos de idade. Sou graduado em Física pela UFRJ e Tecnólogo em Comunicações Aeronáuticas pelo CIAAR; possuo MBA em Gestão Pública pela UNIFA, Mestrado em Engenharia Submarina pela COPPE/UFRJ, Doutorado em Engenharia e Tecnologia Espacial pelo INPE e Pós-doutorado em Engenharia Aeroespacial pela Universidade de Roma – La Sapienza. Atuei no Instituto de Aeronáutica e Espaço de 2007 a 2016 na Divisão de Sistemas Espaciais e, agora, ocupo a função de Adjunto do Chefe da Subdiretoria de Espaço.

BRAZILIAN SPACE: Mj. Élcio, em outubro de 2015, durante a realização da “Operação São Lourenço”, o Programa Espacial Brasileiro (PEB) sofreu um grande baque que frustrou todos aqueles que se interessam pelas atividades espaciais do país. A perda do “SARA Suborbital I” devido à explosão do foguete VS-40M na plataforma de lançamento, lançou um manto de desanimo entre aqueles que acompanham o PEB, aumentando em muito as incertezas quanto à continuidade do projeto. O que aconteceu Major Élcio, o IAE já fez um relatório sobre o acidente e caso sim, como a sociedade pode ter acesso a este relatório?

MJ. ÉLCIO DE OLIVEIRA:  Prezados amigos do Blog, como é de conhecimento geral para os amantes da atividade espacial, todo lançamento tem um elevado risco intrínseco que não raras vezes levam a falhas catastróficas. Realmente, a falha do motor S-40M, que é primeiro estágio do foguete VS-40, trouxe uma grande frustração aos envolvidos no projeto. Ver o resultado de anos de pesquisas e trabalho não executar a missão à qual foi destinado é, de fato, “um balde de água fria”.

Falando especificamente da falha do motor S-40M, houve, como de praxe, um procedimento investigatório realizado por uma Comissão de Investigação de Acidentes Aeroespaciais, cujos resultados foram oficializados em um relatório específico para este fim.

Nesse relatório foram utilizadas, como fontes de informação, dados de telemedidas, imagens digitais e de vídeo, árvores de falhas do veículo e diversos outros relatórios associados aos processos de fabricação e inspeção do propulsor S-40M e do veículo como um todo.

Após um longo processo investigatório (cerca de 90 dias), onde foram levantados e avaliados um conjunto de hipóteses de falhas, o relatório aponta, em sua conclusão, como hipótese mais provável para a explosão do propulsor S-40M o seguinte:

“O motor S40M (NS 11/00) explodiu 324 milissegundos após o início do comandamento de ignição, a uma pressão nominal da câmara do motor entre 11,5 Mpa e 22,0 Mpa, em função de descolamento ou a adesão insipiente de elevada área da interface entre o liner e o propelente, o que pode ter potencializado a deformação do grão propelente, associada a possível formação de trincas ou fratura, com aumento substancial da área de queima, o que se mostra compatível com o gradiente de aumento de aumento de pressão”.

Ao final da investigação, foram apontadas, como parte essencial e mais importante do relatório, um total de 51 recomendações técnicas a serem cumpridas com o intuito de ampliar a segurança e aperfeiçoar os procedimentos.

BRAZILIAN SPACE: Mj. Élcio, pelo que foi divulgado além da destruição do VS-40M, parece ter havido perda total da capsula na explosão, bem como também danificado a plataforma de lançamento do CLA. Porém se eu não estiver enganado (me corrija se estiver) objetos espaciais são desenvolvidos com duplicatas de todos os seus equipamentos e sistemas daquela versão a ser lançada no espaço. Diante desta possibilidade, este seria o caso do SARA Suborbital I? E caso sim, isto facilitará a realização em breve do voo de uma espécie de SARA Suborbital IB?

MJ. ÉLCIO DE OLIVEIRA: Este bloco de perguntas é muito pertinente, pois nos permite levar ao público apaixonado um conhecimento que ainda não foi amplamente divulgado (já esclareço).

Alterando a ordem das respostas e esclarecendo primeiro a questão da plataforma de lançamento, é fato que esta sofreu sérios danos devido à magnitude da explosão. Afinal, o propulsor S-40M tem massa aproximada de quatro toneladas. Entretanto, o processo de recuperação deste importante componente para os lançamentos de veículos suborbitais já foi iniciado e, enquanto a recuperação desse lançador transcorre, o lançador móvel do CLBI foi movimentado para o CLA.

Com a realocação do lançador móvel algumas obras de infraestrutura foram realizadas, permitindo a recuperação da capacidade do centro e a realização da Operação Rio Verde em 2016.

O projeto SARA suborbital I (Operação São Lourenço) foi desenvolvido conforme as normas de fabricação de sistemas espaciais, ou seja, foram construídos os modelos de engenharia, de qualificação e de voo. Os dois primeiros, modelo de engenharia e de qualificação, são destinados a produzir e integrar componentes que serão testados em condições severas para garantir que tudo funcionará bem quando estiver em missão real, no nosso caso o voo suborbital. Dessa forma, seguindo os conceitos preconizados nas normas que orientam os projetos espaciais, os componentes resultantes desses dois modelos (engenharia e qualificação) não podem ser utilizados para voo e, assim, as “duplicatas” não poderiam ser utilizadas.

Voltando a questão que ainda não foi amplamente divulgada, é com satisfação que informo aos caros leitores que nem tudo foi perdido naquela explosão.

Por mais absurdo que pareça, no momento da explosão o SARA foi desconectado do foguete, caiu em solo (base de concreto) e, em meio às chamas resultantes da explosão, continuou executando seu ciclo de voo no solo. Estranho? Explico melhor.

No momento do lançamento, quando o motor explodiu, o SARA estava em modo de funcionamento autônomo e executando todo a sequência programada para voo. Ao ser desconectado do foguete com a força da explosão, a estrutura e eletrônica do SARA não sofreram danos consideráveis naquela fração de segundo imediatamente após este evento. Os computadores e todos os subsistemas continuaram operando como se o SARA estivesse em voo. Com a queda em solo houve a quebra da estrutura externa do SARA (coifa de fibra de carbono), mas este dano não foi suficiente para afetar os sistemas que estavam operando. Nessa sequência, durante doze minutos, que era o tempo previsto da missão, o SARA enviou dados de telemetria e acionou os sistemas de gás frio e de recuperação. Após o controle das chamas e garantia da segurança do local de lançamento, o módulo SARA foi recolhido e trazido para o IAE.

Uma vez no IAE, o módulo foi desmontado e os componentes separados para análise individualizada em laboratório.

Para nossa surpresa, vários deles estavam operando normalmente, mostrando que o SARA foi fabricado e integrado com a robustez necessária para cumprir com sucesso uma missão suborbital.

Com o aprendizado obtido na fabricação do SARA e na Operação São Lourenço, posso afirmar, sem sombra de dúvidas, que estamos aptos a realizar a fabricação de um segundo módulo perfeitamente operacional nos mesmos padrões do anterior.

BRAZILIAN SPACE: Mj. Élcio, segundo o planejamento anterior do Projeto SARA o mesmo estava dividido em quatro fases, sendo duas suborbitais e duas orbitais. Após este acidente houve alguma mudança neste planejamento?

MJ. ELCIO DE OLIVEIRA: Qualquer projeto, para existir e receber os recursos para sua execução, deve ser formalizado e aprovado. Qualquer modificação deverá ser submetida a uma revisão, fato que ainda não ocorreu com o SARA e, portanto, o projeto permanece com o escopo original.

BRAZILIAN SPACE: Mj. Élcio, sabemos que a situação política e econômica de nosso país não é atualmente das melhores e isso evidentemente reflete no orçamento do PEB. Porém diante do grande anseio de meus leitores sobre este importante projeto espacial brasileiro não há como deixar de lhe fazer a seguinte pergunta: Sendo otimista Mj. Élcio, qual seria a sua previsão para um próximo voo deste projeto?

MJ. ELCIO DE OLIVEIRA:  Nós, que dedicamos nossa vida a esta atividade apaixonante e de grande retorno para a sociedade, ficamos frustrados quando ocorre uma falha e não vemos o resultado final esperado. Isto faz parte do processo inerente aos projetos complexos. Deu errado? Então retornamos à prancheta, corrigimos o erro e seguimos em frente. É assim em qualquer lugar do mundo. Entretanto, o cenário econômico atual para a pesquisa e desenvolvimento espacial no Brasil é quase humilhante. Os cortes em 2017 nas ações que sustentam projetos como o SARA foram significativos, chegando a forçar, no caso do SARA, uma condição de hibernação.

Definir datas em um cenário como o atual, já vislumbrando recursos minguados em 2018, é quase cartomancia. No entanto, respondendo à pergunta não em termos de quando, mas em termos do prazo necessário, uma vez destinados os recursos apropriados e considerando a experiência já adquirida com o primeiro módulo, temos um planejamento de fabricação do SARA Suborbital I-v2 em um prazo de dezoito a vinte e quatro meses. Entretanto, este prazo só será factível com a manutenção da equipe até a chegada dos recursos, o que é improvável dado o cenário de idade média avançada dos profissionais das ICTs voltadas para a atividade espacial.

BRAZILIAN SPACE: Mj. Elcio, em nossa primeira entrevista em maio de 2015 (veja aqui) o senhor nos revelou que havia discutido com pesquisadores da área de robótica e estruturas espaciais da “Universidade de Roma”, uma possível parceria do IAE com esta universidade italiana no âmbito do Projeto SARA, tendo como objetivo final adaptar o conceito do SARA para realizar operações de “Rendezvous and Docking” no espaço com a utilização de braços robóticos, algo que consideramos extraordinário. Esta possível parceria avançou?

MJ. ELCIO DE OLIVEIRA: De fato, essa discussão com pesquisadores italianos ocorreu e continuamos a manutenção dos vínculos de pesquisa. Entretanto, não houve avanço no que se refere ao SARA pelo fato do projeto não ter concluído efetivamente sua primeira fase. Acredito que, fazendo um lançamento bem-sucedido do primeiro protótipo do SARA, muitas possibilidades de cooperação poderão surgir.

BRAZILIAN SPACE: Finalizando Mj. Elcio, o senhor teria algo mais a acrescentar para os nossos leitores?

MJ. ELCIO DE OLIVEIRA: Continuem confiando no nosso trabalho e acreditem na nossa dedicação para o avanço do Programa Espacial Brasileiro. 

Comentários

  1. Parceria com os italianos para utilizar braços robóticos no projeto SARA? Extraordinário!! Tomara que um dia isto aconteça!

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  2. Parabéns Duda!! Você não sabe o quanto estou feliz em saber que pelo menos o SARA ainda existe.

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    1. Olá Everton!

      Não há o que agradecer amigo, estamos aqui para isso. Entretanto Everton você tem certeza que leu atentamente a matéria?

      Abs

      Duda Falcão
      (Blog Brazilian Space)

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  3. Acho que caberia a pergunta: qual origem do HTPB empregado na interface e no propelente carregado nesse motor?

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    1. Olá Oswaldo!

      Hummmm, porque a pergunta amigo? Você estaria desconfiado de alguma coisa?

      Abs

      Duda Falcão
      (Blog Brazilian Space)

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  4. " ALGUMAS COISAS PRECISAM SER ACREDITADAS ( PROJ. SARA ), SEM SEREM VISTAS. O PROBLEMA NÃO É O NOSSO PEB, SÃO OS CORAÇÕES MAL INTENCIONADOS DOS VÁRIOS GOVERNANTES"

    Para iniciar esta conversa, recorro à palavra do Mestre e ícone: Dro. Werner Von Braun, que disse: " Quando algo sai errado, eu fico mais satisfeito do que quando tudo funciona bem. Um fracasso indica exatamente onde errei. mas êxitos de hoje, pode esconder, deficiências que comprometeriam outros êxitos mais importante amanhã".
    Fiquei extremante FELIZ! Em saber que o nosso SARA, não foi danificado, fragmentado...destruído totalmente. Ufa! que alívio, que alegria contagiante, essa boa notícia.
    É assim mesmo Brasonautas, nos entusiastas, somo do tamanho do nosso sonho, em torcer pelo nosso sofrível PEB, em ser testemunhas do que mais desejamos para o BRASIL, conquistar o espaço, e isso, temos muitos pesquisadores capazes, tudo vale a pena quando a nossa alma não é pequena e nem egoísta.
    Mais em contra partida, temos governantes corruptos, filhos bastados da nação, que remam ao contrário, mais uma coisa é certa, 2018 está chegando com novas eleições, tudo isso passará. Não há MAL que dure para sempre!!!!!
    Hoje todos os entusiastas do PEB, choram!!!!!. Pois bem nobres Brasonautas, chorar é uma delicadeza que os olhos oferecem á alma. Quanto a isso, estamos com pensamentos positivos para o SARA e Veículos Lançadores. Amadurecimento é quando você rir de algo que já te fez chorar.
    O prof. Robert H. Goddard dizia que: " É difícil dizer o que é impossível, pois o sonho de ontem é a esperança de hoje, e a realidade do amanhã".
    É bom lembrar, que a ciência espacial, nunca resolve um problema sem criar pelo menos outras dez, uma atrás da outra.
    Em fim nobres entusiastas, o risco não está no que se faz, mas no controle inadequado sobre o que se faz, arriscar em desenvolver um projeto conceituado é natural, toda vida é um risco, a equipe de nobres engenheiros do IAE, vão mais longe, e são geralmente aqueles que estão dispostos a fazer e a ousar empreendimentos difíceis.Uma coisa é certa, o barco da honestidade de propósitos e da segurança, nunca vai muito além da margem, para não se afogar.
    O passado negativo no lançamento do SARA, não tem nada de novo a dizer, foi tudo esclarecido, foi salvo!!!Agora é só manter o foco no futuro promissor, é lá que está direcionado, a melhor visão do sucesso.





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