A Equação do Clima
Olá leitor!
Segue abaixo uma interessante matéria publicada na edição
de maio de 2013 da “Revista PLANETA”, e postada no site da mesma, dando
destaque ao desenvolvimento pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(INPE) do primeiro modelo climático
global feito na América do Sul.
Duda Falcão
CIÊNCIA
A Equação do Clima
Cientistas do
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais validaram
o primeiro
modelo climático global feito na América do Sul.
Por Camilo Gomide
Revista PLANETA
Maio de 2013
Os
meteorologistas do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) do
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), em Cachoeira Paulista (SP),
finalizaram uma etapa importante do projeto que coloca o Brasil na vanguarda
dos estudos climáticos na América do Sul. Pela primeira vez no continente, um
instituto de pesquisas cria um modelo de previsão climática nacional que será
incorporado aos modelos internacionais que comporão o próximo relatório global,
previsto para 2014, do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC,
em inglês), o órgão científico da ONU para o estudo das mudanças climáticas.
“O Brasil
faz parte de um grupo que está envolvido a fundo nas discussões do clima no
IPCC. Mas carecíamos de uma avaliação mais criteriosa dos efeitos das mudanças
climáticas sobre o país”, explica Paulo Nobre, pesquisador do Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais, no qual o CPTEC está inserido. O trabalho
brasileiro, “Climate Simulation and Change in the Brazilian Climate Model”, foi
validado, em fevereiro, pelo Journal of Climate, especializado no campo. Sem o
supercomputador Tupã, adquirido em 2010, entretanto, nada teria sido possível.
Desde que a Austrália abandonou seu projeto, o Brasil é o único país do
Hemisfério Sul a modelar um sistema próprio.
O computador Tupã, do INPE, que processa os dados do modelo climático brasileiro.. |
Além de
ajudar a comunidade científica a compreender os fenômenos meteorológicos no
Hemisfério Sul, o modelo brasileiro será útil para os setores e agentes
econômicos diretamente influenciados pelo clima, como a agricultura e a geração
de energia, além de permitir ao governo agir na prevenção de eventos extremos.
“Mais de 70% da agricultura depende da previsão do tempo. Além disso, um modelo
melhor vai permitir minimizar os danos de desastres, como chuvas, deslizamentos
e alagamentos”, explica Fábio Rocha, meteorologista do INPE.
Sem dúvida,
a melhoria da qualidade das análises climáticas impacta diretamente a economia
e a sociedade. Segundo Paulo Nobre, a partir do momento em que é informado pelo
instituto meteorológico da possibilidade de ocorrência de uma catástrofe
natural, o governo pode agir mais efetivamente ou, em caso de negligência, ser
responsabilizado pelos danos causados. “A previsão climática dos próximos meses
pode determinar políticas públicas para colocar em alerta a defesa civil no Rio
Grande do Sul ou mandar caminhões de abastecimento de água no Nordeste. Para o
Estado atuar com eficiência nesse sentido, precisamos de um conhecimento que só
nós podemos ter sobre o funcionamento do clima no Brasil”, diz Nobre. Outro
avanço importante é o incentivo para a formação de uma nova geração de cientistas
do clima, que agora conta com uma nova ferramenta poderosa, de eficiência
nacional.
Ter um modelo climático próprio
permite ao país se posicionar mais ativamente nas discussões globais. De acordo
com Nobre, era preciso quantificar a participação brasileira no clima global
para ter a dimensão exata dos seus impactos – como as emissões de gás carbônico
e de metano que alimentam o efeito estufa e esquentam a temperatura do planeta.
Sem esse instrumento, o país estaria sempre à mercê de análises externas, pouco
minuciosas e sujeitas a distorções. “Também precisávamos saber dos efeitos
benéficos da nossa vegetação no clima”, diz Nobre.
Em 2009, um primeiro artigo
produzido utilizando a modelagem brasileira, “Amazon Deforestation and Climate
Change in a Coupled Model Simulation”, evidenciou uma dessas particularidades.
Os pesquisadores investigaram a influência da Floresta Amazônica na regulagem
do clima mundial. Foi descoberto que o desmatamento faz com que a precipitação
de chuvas se reduza, afetando a formação de ventos e ocasionando um aumento na
ocorrência do El Niño – o fenômeno transitório de alteração da temperatura do
Oceano Pacífico, que impacta o clima do Hemisfério Sul. Até então, o papel da
floresta tropical como reguladora do fenômeno era desconhecido.
Calculando o Caos
A previsão do tempo tende a ser
uma missão ingrata. Devido à diversidade caótica de fatores que condicionam a
atmosfera, é muito difícil determinar com exatidão seus fenômenos. “O caos é um
sistema matemático não linear. Uma pequena perturbação em um ponto pode gerar
diversos fatores. Há um limite de previsibilidade”, explica Nobre. “Mas isso
funciona para a previsão de tempo, porque o clima, mais a longo prazo, depende
de padrões mais lentos. As equações não têm uma previsibilidade determinística.
Não dá para dizer que daqui três meses, às oito horas da manhã, vai chover na
sua casa; dá para afirmar que em três meses a região Sul terá mais chuvas que a
região Norte”.
Já um modelo climático numérico é
um conjunto de equações matemáticas que representam processos físicos na
atmosfera, nos oceanos, na biosfera e na química entre esses sistemas. Tudo
funciona por aproximação: as estações meteorológicas medem parâmetros de
temperatura, vento, umidade, pressão atmosférica, temperatura da água do mar,
constituição atmosférica e radiação solar. Essas variáveis, aferidas
globalmente, são assimiladas sobre um mapa e servem como condições iniciais
para os cálculos. As equações, então, são processadas em um supercomputador que
gera os cenários possíveis para o clima ao longo do tempo.
O desenvolvimento de um modelo
atmosférico nacional é resultado de anos de trabalho no CPTEC. Inicialmente, o
centro fazia apenas modelagens numéricas para a previsão de tempo, mas
rapidamente evoluiu para a previsão climática. O modelo do INPE não foi criado
do zero, mas aprimorado a partir da base fornecida, em 1994, pelo centro
meteorológico norte-americano COLA/IGES (Center for Ocean-Land-Atmosphere
Studies). “Passamos a desenvolver esse modelo por nossa conta, o recodificamos,
aprimoramos a parte numérica, introduzimos os outros processos e assim por
diante, até ele se tornar o nosso próprio modelo atmosférico”, explica Nobre.
Desenvolvida a modelagem da
atmosfera, o grupo recorreu ao modelo oceânico da National Oceanic and
Atmospheric Administration (NOAA), para rodar os cálculos do seu modelo global.
Nesse trabalho, não foram equacionados os outros sistemas que influenciam o
clima, mas o plano do INPE é investir no desenvolvimento dos moldes que faltam
para retratar mais fidedignamente as condições climáticas brasileiras.
Atualmente, os cientistas estão trabalhando na criação de um modelo terrestre
que contempla a dinâmica das florestas do país.
Supercomputador
No armário do escritório, na sede
do INPE, em Cachoeira Paulista, Nobre guarda um rolo de fita magnética,
semelhante a um rolo de filme cinematográfico. “Quando eu era estudante, punha
uma fita magnética dessas, de 40 megabytes, dentro da sacola e viajava para os
EUA para poder rodar os dados”, rememora o cientista. Hoje, aos 56 anos, Nobre
dispõe do quinto computador mais eficiente do mundo para cálculos de previsões
de tempo e clima, instalado no prédio em que trabalha.
Batizado de Tupã (o deus trovão
em tupiguarani), o Cray XT-6 é o supercomputador moderno capaz de realizar até
260 trilhões de cálculos por segundo. Sem uma máquina desse porte, seria
impossível para o Brasil fazer parte do clube de países que elaboram cenários
globais de mudanças climáticas. “O supercomputador está para nós como um navio
está para quem faz oceanografia. Sem um barco de porte, você não vai a alto
mar, anda só na beira, não atravessa o Atlântico”, compara Nobre.
A máquina custou R$ 50 milhões e
foi financiada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia e pela FAPESP. Em 2010,
quando chegou ao CPTEC, era um dos computadores mais rápidos do mundo. Em três
anos, muita coisa muda em informática, mas a máquina ainda não sofre defasagem.
Ainda hoje, os pesquisadores utilizam apenas 40% de sua capacidade. A
estimativa é de que um supercomputador precise ser atualizado, em média, a cada
quatro anos. “Esse é um ótimo computador para o que estamos fazendo agora. Mas
em dois ou três anos ele será insuficiente para o nível de resolução dos
processos que vamos precisar para os modelos que estamos desenhando”, diz
Nobre.
Fonte: Revista PLANETA - págs. 26, 27, 28 e 29 - Edição nº 487 - Maio
de 2013
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