O Mundo é Nosso!
Olá leitor!
Segue abaixo uma interessante matéria publicada na revista “VEJA” edição
do dia 07/11 dando destaque ao programa “Ciências sem Fronteiras”.
Duda Falcão
O Mundo é Nosso!
Os jovens bolsistas que ilustram estas páginas estão
aprendendo ciência com os melhores mestres do planeta.
Se conseguirem aplicar a lição na volta, poderão fazer o
Brasil enfim entrar no mapa global da inovação.
Monica Weinberg, de Seul e Munique
e Nathália Butti, de Boston
07/11/2012
Nenhuma expressão é tão pronunciada em coreano como pali pali. Em bom português: apresse-se. Vale para o
formigueiro humano que se acotovela para arranjar lugar no metro de Seul ou
para expressar a urgência em atingir uma meta. Foi em ritmo pali pali que uma área abandonada de Pohang,
cidade industrial a 270 quilômetros da capital, se converteu em menos de três
décadas em uma universidade dedicada à inovação que já figura entre as
cinquenta melhores do mundo. - a Postech. Até hoje, nenhum premio Nobel saiu de
lá, mas duas bases de concreto à espera do busto de um futuro lareado não
deixam dúvidas quanto à ambição. É nesse ambiente de expectativas nada modestas
que se destaca um grupo de estudantes vindos de três regiões do Brasil, os
únicos latino-americanos no campus. Eles já viveram diversos momentos de
espanto. Um deles se deu quando entraram no laboratório de robótica tão
futurista que parecia um cenário de filme. A obstinação de colegas que disputam
mesas na biblioteca até alta madrugada foi outra cena inusitada. "Num
lugar como este, tudo conspira a favor da ciência", resume o estudante de
engenharia eletrônica André Luiz Martins, 22 anos, levando à boca uma colher de kimshe, prato coreano feito de repolho embebido em
pimenta - outro choque.
VEJA esteve com a entusiasmada turma que ilustra as páginas desta
reportagem em sua temporada em busca do saber onde ele é mais cultivado. Esses
brasileiros são integrantes de uma leva de 100 000 estudantes que, confirmadas
as previsões, terá embarcado até 2015 para temporadas nas melhores
universidades de quarenta países. Mais de 14 000 já partiram e outros 8 000 se
preparam para viajar em janeiro. Eles são financiados pelo Ciências sem
Fronteiras, programa federal que, por sua dimensão e cifras, não tem
precedentes na história brasileira de distribuição de bolsas no exterior. Para
se ter uma medida, o orçamento de 3,4 bilhões de reais (75% vindos do caixa da
União, 25% do setor privado) fará quase quadruplicar o número de bolsas para
alunos da graduação ao pós-doutorado em dezoito áreas das ciências exatas e
biológicas. O objetivo é expor gente talentosa ao DNA inovador de países mais
desenvolvidos, um caminho percorrido já décadas atrás pela China e pela própria
Coréia, com sucesso. Para aproveitar esse talentos na volta, a academia
brasileira precisará se despir de velhas ideologias e do atoleiro burocrático
que ainda a mobilizam. "Se a chance for bem aproveitada, pode ser um passo
decisivo para o avanço científico e tecnológico do país", avalia o
economista Claudio de Moura Castro, articulista de VEJA.
Vivendo em dormitórios universitários que abrigam uma miríade de
nacionalidades e costumes, os brasileiros destoam pelos decibéis - "They
talk, talk, talk", diz um coreano -, mas vão se adaptando a ambientes mais
silenciosos e concentrados para o estudo e a pesquisa. Quase não se ouvem
vozes, mas apenas um suave ruído vindo do manuseio de equipamentos no Instituto
Max Planck, em Munique, uma das instituições que mais produziram prêmios Nobel
no planeta. A capixaba Rebecca Cruz, 21 anos, ainda se habitua à idéia de ser
acolhida ali, no grupo liderado por Wolfgang Baumeister, um dos mais estrelares
nomes da biologia molecular moderna. Rebecca investiga o papel de uma proteína
especial para o processo de divisão celular, utilizando uma avançada técnica de
congelamento. Decifrar os segredos dessa proteína é um uma etapa crucial de uma
promissora linha de combate ao câncer. "Mal cheguei e me fizeram mexer
numa máquina de milhões de euros. Venci o medo", conta a estudante, ao
lado do namorado, Paulo Victor, 22 anos, que também ganhou bolsa e cujo
semblante se ilumina ao falar da pesquisa que desenvolve com sapos na vizinha
Ludwig-Maximilians, uma das maiores universidades alemãs. O leque de assuntos
que absorvem os brasileiros é variado e ambicioso. Ele vai da cura do diabetes
à produção de uma prótese que recria os movimentos da mão; do desenvolvimento
de biocombustíveis ao avanço na tecnologia de GPS e celular.
A imersão em ambientes que respiram ciência de alto nível certamente
incutirá nesses jovens cérebros novas e elevadas expectativas acerca do futuro
- o que é essencial para pavimentar o caminho do desenvolvimento. Só que a
despressurização na volta para o Brasil tem tudo para ser dolorida, fazendo
pairar um ponto de interrogação sobre como essas mentes inovadoras poderão
fazer diferença em ambientes que falta até o básico - material para pesquisa.
Tais jovens dificilmente escaparão dos labirintos burocráticos que transformam
a importação de um simples reagente numa epopeia de meses. Não é difícil
imaginar também que os estudantes da graduação, que abriram o seu leque de
interesses e experiências no exterior, sintam um baque no retorno ao antiquado
modelo brasileiro de universidade, à base de muita aula, pouco projeto e uma
grade de matérias inflexíveis e há décadas congeladas no tempo. (Enquanto na
Universidade Tecnológica de Munique os engenheiros ambientais podem escolher
entre as trinta disciplinas ligadas às formas de energia renovável, no Brasil
as universidades não oferecem mais do que uma ou duas.) Estes jovens terão de
encarar ainda a velha desconfiança que persiste em certos grupos acadêmicos em
relação ao mercado, fruto de um ranço tecnológico segundo o qual a universidade
pública se deve manter longe dos tentáculos privados.
As instituições estrangeiras que estão absorvendo os brasileiros rompem
com essa barreira de forma radical, ajudando a talhar talentos para a inovação.
Em alguns casos, fica até difícil divisar onde termina o interesse da
universidade e começa o da empresa. Os alunos se beneficiam. Na Alemanha,
Ph.Ds. da fábrica de carros BMW lançam aos estudantes o desafio de aprimorar um
software para o sistema de um carro que está em linha de produção, ensinando os
princípios essenciais da engenharia. Numa disciplina de projetos do instituto
de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, um grupo de
brasileiros está envolvido com o desenvolvimento de produtos reais
encomendados por multinacionais que dão verbas à universidade. Acabaram
de criar uma máquina que eleva a produtividade na colheita de legumes. Em outra
aula, aprendem os caminhos que levam à criação de um produto ou técnicas
inovadores o bastante para receber uma patente - obsessão naqueles vibrantes
corredores. Uma parte dos bolsistas ainda tem a oportunidade de ampliar a visão
para além dos muros acadêmicos arranjando estágios com empresas privadas com a
ajuda do Ciência sem Fronteiras, talvez um dos aspectos mais interessantes do
programa.
A história é rica em exemplos de como sociedades menos
desenvolvidas conseguiram dar um salto ao absorver conhecimentos de povos mais
evoluídos. A primeira iniciativa organizada nesse sentido ocorreu na Roma
antiga, onde os figurões da elite passaram a importar como escravos os melhores
cabeças da civilização grega, então em declínio, para ensinar história, filosofia,
arquitetura e direito a seus filhos. Mais tarde, quem podia começou a viajar em
busca de excelência. Na Idade Média, os mais abastados vinham de toda a
parte para estudar em universidades como Sorbonne, Oxford e Bolonha a mais
antiga de todas. Já no século XI, ela já recebia estudantes das mais diversas
origens - gregos, húngaros, árabes, africanos. As grandes migrações
intercontinentais de cérebros são um fenômeno da segunda metade do século XIX,
quando a elite das colônias passou a abrigar-se nas instituições de ensino das
metrópoles - como aconteceu com os brasileiros em Coimbra. Foi da combinação de
brasileiros educados no exterior com estrangeiros vivendo no Brasil que
surgiriam décadas depois as bases para a ciência nacional.
A maioria dos jovens brasileiros da leva atual tem o currículo
envernizado por notas altas e, não raro, experiência em pesquisa, passagens
pelo exterior e bom domínio pelo menos do inglês (idioma em que têm aulas até
em alguns países de língua não inglesa, como a Coreia).
"Eles estão assimilando uma cartilha que preza planejamento,
metas, competição e risco intelectual. Na volta, têm tudo para cobrar e
desencadear mudanças - começando pela própria universidade em que
estudam", enfatiza o doutor em engenharia elétrica Daniel Fink,
coordenador do Ciência sem Fronteiras em Seul. Talvez, mas a experiência ensina
que esses que extrapolam a média abominam mais do que tudo a sensação de
paralisia. Se encontram um ambiente impermeável a mudanças e desprovido de
estímulos, podem tomar o caminho de volta para o exterior ou nem mesmo querer
retornar.
O caso da Coreia reforça isso. Na década de 60, 97% dos cientistas
coreanos abrigados em universidades americanas não cogitavam regressar a seu
país. A situação só começou a se reverter com um investimento maciço em centros
de pesquisa que ofereciam aos que haviam debandado altos salários, laboratórios
de nível mundial e - o mais importante - uma carreira acadêmica definida por
critérios meritocráticos. Para se ter uma noção do prestigio desses que
voltavam, quem buscava acesso aos quadros de alto escalão do governo ia até
eles pedir que abrissem as portas do poder. Em duas décadas, 70% dos que
estavam fora regressaram, constituindo uma força de trabalho decisiva para a
economia coreana deslanchar. "Voltamos porque sabíamos que tínhamos
condições para crescer e fazer diferença na ciência do país", conta o
doutor em engenharia elétrica Yougmin Kim, presidente da Postech, 59 anos, 35
dos quais vividos em universidades dos Estados Unidos (Veja a entrevista com
ele no final).
A idéia do Ciência sem Fronteiras surgiu em março do ano passado, em
Brasília, durante um encontro da presidente Dilma Rousseff com o seu colega
americano, Barack Obama. A conversa entre os dois governantes fluía bem até que
Obama cutucou: "Por que há 120 000 chineses estudando em universidades
americanas e só 7000 brasileiros?". Quem assistiu a cena conta que Dilma
ficou desconcertada e saiu decidida a ter resposta melhor a dar em uma próxima
vez. Em não mais do que dez meses - tempo recorde para empreitada de tal
envergadura - o programa foi criado do zero, universidades, CNPq e Capes
selecionaram os alunos, e a primeira leva partiu. " A ordem era botar a
engrenagem andando e ir fazendo reparos ao longo do processo", conta um
técnico envolvido no programa.
Não é difícil entender porque o Ciência sem Fronteiras estreou com
tantos escorregões. Uma turma da graduação acabou voltando depois de apenas
seis meses (hoje o tempo mínimo é de um ano), bolsas atrasaram e parcerias com
universidades de primeira linha , como Harvard e Stanford, não haviam sido
sequer seladas. No primeiro edital, eram os próprios alunos que, com a bolsa
aprovada, tinham de acionar a instituição em que desejavam estudar. Tantos
foram os currículos enviados ao Instituto de Tecnologia da Califórnia
(Caltech), meca para as engenharias, que a faculdade, desavisada sobre o
programa, fez chegar uma aviso aos brasileiros: que cessassem os pedidos, já
que não havia como atendê-los. Agora, um órgão especializado em intercâmbios
acadêmicos de cada país cuida da distribuição dos alunos pelas universidades,
com base numa lista de opções assinaladas pelo estudante. Às vezes, acontece de
o aluno ir para um curso que não está no topo de excelência, ainda que a
instituição seja de bom nível. É preciso ajustar o sistema e fazer o pente-fino
em prol da qualidade.
Os números do Ciência sem Fronteiras poderiam até ser mais superlativos,
mas faltam candidatos para preencher as vagas. Na graduação, a procura é alta,
mas muitos são barrados na seleção por não apresentar um nível básico de
inglês. Mesmo com a meta de 2012 cumprida, haviam 40% a mais de bolsas a
distribuir. O dado da pós-graduação é ainda mais espantoso: 64% das bolsas
ofertadas estão à espera de aspirantes. "Muita gente na universidade
brasileira vive numa zona de conforto, sem muitos riscos nem grandes ambições,
por isso não se candidata", diz o físico Gláucios Oliveira, presidente do
CNPq. Espera-se que a turma talentosa e cheia de planos que já embarcou rompa o
marasmo e ponha o Brasil na rota da inovação. É preciso acelerar o passo. Ou,
como se diz na Coreia, pali pali.
"Entendemos nossos limites" - Yongmin Kim
No comando da Postech, centro de excelência voltado para a inovação que
figura entre os melhores do mundo, Yongmin Kim, 59 anos, diz a VEJA que a
Coreia não seria a mesma se a sua elite não tivesse aprendido com os
americanos.
VEJA: Quase todos os professores em
sua universidade estudaram em alguma instituição americana ou europeia. Como
isso ajuda?
Yongmin Kim: Antes de tudo,
isso nos dá a verdadeira dimensão de onde estamos e de quanto ainda precisamos
percorrer para alcançar os melhores do mundo. Alguns nos apelidaram de
"MIT coreano", mas eu e meus colegas sabemos que ainda falta chão.
Com a visão mais empreendedora que trouxemos, também ajudamos a incutir dentro
e fora da academia coreana o DNA do risco, caldo de cultura de onde emergem as
grandes inovações. É uma mudança de mentalidade que leva tempo.
VEJA: Quantos?
Yongmin Kim: Pelo menos uns cinquenta anos. Olhe essa universidade que eu dirijo.
Vinte e cinco anos atrás, não havia aqui mais que um terreno baldio no meio da
cidade. Hoje, aparecemos entre os cinquenta melhores do mundo. Um avanço
considerável, sem dúvida, mas ainda estamos longe do topo. Calculo que uns 25
anos para sedimentar de vez a ideia de que para criar algo realmente
extraordinário é preciso estar disposto a correr riscos de forma radical e
errar. Aí, sim, poderemos ombrear com o MIT.
VEJA: O senhor fala como se a Coreia
já não fosse um país bastante inovador...
Yongmin Kim: Verdade, mas nunca inventamos nada tão revolucionário quanto o iPhone.
Para isso, repito, é preciso cultivar a criatividade como uma religião. É isso
que os cérebros que regressam à Coreia trazem de forma acentuada.
VEJA: Porque o senhor decidiu aderir
ao programa Ciência sem Fronteiras?
Yongmin Kim: Os grandes inventos têm surgido de ambientes heterogêneos, em que há
choque de idéias e de maneiras de pensar. Internacionalizar é a palavra de
ordem aqui.
VEJA: Que impressões o senhor tem da
academia brasileira?
Yongmin Kim: Visitei duas universidades federais na única vez que estive no Brasil,
em 2006. Chamou-me a atenção como as questões administrativas consomem tanto
tempo de boas cabeças que poderiam e deveriam estar dedicadas à pesquisa e à
inovação.
Fonte: Revista VEJA - 07/11/2012
Comentário: Essa matéria aborda um programa do governo
que se conduzido com seriedade e competência poderá mesmo trazer grandes
benefícios a todo setor de ciência e tecnologia do país, ai incluído o Programa
Espacial Brasileiro. Entretanto, para que isso aconteça e venha dar os
resultados que todos nós esperamos será preciso melhorá à qualidade das pessoas
que estão envolvidas com a gestão do programa. Nada contra a um profissional
como o Glaucius Oliva, mas certamente já passou da hora de termos um "Ministro
de Educação" de verdade e não um menestrel de carreira. Gostaria de agradecer ao
leitor Israel Pestana por ter nos enviado essa interessante matéria.
O que me chamou a atenção nessa matéria, principalmente, foi o fato da Coreia ter conseguido criar medidas para chamar de volta seus cientistas. O programa sem dúvida é interessante, e também creio que se bem conduzido levará o Brasil para realidades nunca vistas, no entanto não foi a toa que o próprio Obama falou a respeito disso com a Dilma, porque se sabe hoje que os cérebros têm fugido de volta para seus países de origem, como a China, Coreia e a India, e os EUA precisam de especialistas em áreas-chave. Sabendo nós como estão as coisas ainda por aqui - com o nível da burocracia, com os baixos salários, e com o pouco incentivo à pesquisa - o quão atrativo é para esses estudantes cumprirem o seu cronograma básico de volta no Brasil, para depois regressarem a esses países que prometem tanto. O Ciência sem Fronteiras foi um passo importante, agora outro desafio é conseguir manter esses cérebros no Brasil, e creio que a reportagem foi incisiva nisso.
ResponderExcluirO próprio ENEM teve como tema de redação a Imigração, ou seja, estrangeiros que entram no país. Não será tolo de nós pensar que estrangeiros não possam também complementar com suas especializações algumas posições-chave no Brasil onde faltam especialistas (falando aqui principalmente de graduados e pós-graduados que estão apanhando a onda económica, e vindo do Brasil). Nesse aspeto os EUA aprenderam bem, e souberam aproveitar. Que saibamos também aproveitar os estrangeiros e atraí-los para o Brasil.
Porém estranhamente, o que eu vejo nessa crise são profissionais de alto nível migrando para o Brasil e ocupando cargos técnicos e gerenciais de alto nível.
ResponderExcluirPor outro lado, quando se fala em reforma, ninguém pensa em, por exemplo, obrigar por lei, cada universidade privada manter um centro de pesquisa em atividade. Continuo afirmando que, salvo raras excessões, que só comprovam a regra, as nossas universidades privadas são meras fornecedoras de diplomas. E as poucas universidades públicas que fazem algum tipo de pesquisa, vivem "de pires na mão".
Estou hoje com 54 anos e convivo com essa realidade desde os meus 17 anos quando entrei na faculdade (uma federal), ainda na época do vestibular integrado (fiz as provas nas arquibancadas do Maracanã, e na época essas provas eram vigiadas por soldados do exército).
O problema está aí, e não é tão difícil de ser corrigido. Como se vê nas ações recentes, quando existe "vontade", pode-se fazer qualquer coisa, inclusive construir dezenas de estádios de futebol inúteis em tempo recorde.
O Brasil tem todos os recursos necessários, menos um, e este, que é fundamental nós sabemos bem qual é: falta sistemática de políticos minimamente decentes.
Abs.