O Brasil e o Espaço


Olá leitor!

Segue abaixo um artigo postado no blog "Panorama Espacial" do companheiro jornalista André Miliski que foi escrito por José Nivaldo Hinckel, engenheiro do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), com uma análise e visão pessoal sobre o Programa Espacial Brasileiro.

Duda Falcão

O Brasil e o Espaço

José Nivaldo Hinckel*

1. Porque um programa espacial brasileiro?

A razão primordial para um programa espacial é o acesso aos recursos ímpares da visada global proporcionada pela grande altitude. A visada global abre amplo leque de missões de comunicação e observação com cobertura de grandes extensões da superfície terrestre.A exploração destes recursos, inicialmente para fins estratégicos militares e de defesa, e posteriormente para fins comerciais e científicos, deu origem aos abrangentes programas espaciais americanos e soviético das décadas de 50 a 70 do século passado, refletindo a atuação e interesse globais dos mesmos neste período crítico da Guerra Fria. A partir da década de 70 a Europa (ESA), China, Índia Japão e Brasil deram também grande impulso aos seus respectivos programas espaciais. Estas iniciativas foram também impulsionadas em grande parte por interesses estratégicos destes países; interesses estes relativos aos seus próprios (e vastos) territórios e crescente ampliação de atividades e interações comerciais com outros países e exploração de recursos marítimos.

O Brasil, por sua extensão territorial e distribuição populacional, vastas regiões de fronteira e costa marítima e crescente projeção no cenário internacional é claramente grande beneficiário potencial de exploração intensiva de recursos espaciais.

2. Diagnóstico: Situação Atual.

Uma análise, mesmo superficial, das atividades e projetos em andamento dos programas mencionados acima, torna evidente o descolamento do programa espacial brasileiro em relação aos outros programas, especialmente a partir do início da década de 90. Enquanto esses programas avançaram, tanto na parte de acesso ao espaço com o desenvolvimento de veículos lançadores capazes, com cobertura de largo espectro de missões espaciais, quanto na produção de satélites de comunicações, observação da Terra e exploração científica, o escopo e objetivos do programa brasileiro foram progressivamente encolhidos e postergados.

O programa de veículos lançadores, após três tentativas mal-sucedidas de lançamento, encontra-se em estado vegetativo, com perspectivas praticamente nulas de reativação. O VLS, em sua configuração atual é, para todos os fins práticos, um veículo desacreditado e não há como reaprumá-lo. Efetivamente, os responsáveis pelo programa estão perdidos quanto ao rumo a dar a este VLS, ou o que colocar em seu lugar.

Entra em cena a ACS (Alcântara Cyclone Space). Ao ser desmembrada da União Soviética, a Ucrânia herdou um espólio espacial, com capacidade de produzir foguetes, porém sem ter de onde lançá-los. O que pareceu inicialmente uma barganha para o lado brasileiro e uma redenção para o lado ucraniano, revela-se, entretanto, pesadelo.

O foguete Cyclone 4 utiliza os propelentes NTO/UDMH (Tetróxido de di-nitrogênio / Dimetil Hidrazina Assimétrica). A origem de utilização destes propelentes remonta à corrida por produção de mísseis de longo alcance da segunda metade do século passado. Estes propelentes são estocáveis e podem ficar carregados nos tanques dos foguetes por anos, prontos para o lançamento. E tem também boas características energéticas e propriedades termofísicas que facilitam o projeto e produção dos propulsores destes mísseis.

Entretanto, são altamente tóxicos e os riscos de catástrofe de grandes proporções associada a uma falha nos instantes iniciais do lançamento se revelam difíceis de serem justificados num programa de veículos lançadores. De fato, grande parte dos veículos lançadores que utilizam ou utilizavam estes propelentes; derivados em sua maioria de mísseis balísticos, foi, ou está em vias de desativação. É difícil entender porque o Brasil vai ingressar nesta área seguindo uma trilha que está sendo abandonada por todos os outros competidores.

Politicamente, o programa envolve também um risco considerável, visto que o foguete produzido pela Ucrânia depende, em subsistemas essenciais, de licenças ou itens produzidos na Rússia, que talvez preferisse tratar diretamente com o Brasil.

Logisticamente, a situação não é menos complicada. O foguete é produzido no leste europeu, devendo seguir um longo trajeto para chegar a Alcântara. O deslocamento de pessoal envolvido no lançamento, alojamento e entretenimento acarretam custos elevados. E há adicionalmente o problema de transporte e armazenamento de centenas de toneladas de propelentes altamente tóxicos, que devem ser adquiridos do outro lado do mundo, visto que econômica e ecologicamente a produção local destes não é justificável.

A insistência dos dirigentes da ACS em prever a entrada em operação comercial num prazo inferior a dois anos revela o seu despreparo técnico e gerencial e desconexão com a realidade. A implementação de um programa deste porte, contando com um gerenciamento ágil e proficiente, uma equipe técnica experimente e fluxo de recursos adequado requer pelo menos cinco anos. É difícil assegurar que a ACS conte com este suporte.

Em contraposição, o acordo entre a Arianespace e a Rússia para o estabelecimento e operação de uma plataforma de lançamento do veículo Soyuz a partir da base de lançamento de Kourou, demorou quase uma década e consumiu recursos da ordem de meio bilhão de euros. Há que se perguntar, o que os dirigentes da ACS sabem e que os dirigentes da ESA não sabem, que lhes permita realizar uma tarefa de mesma complexidade, num prazo muito mais curto e com recursos muito mais limitados?

O programa de satélites demonstrou vitalidade inicial com a construção e lançamento dos satélites de coleta e dados. Os satélites de observação, a serem desenvolvidos internamente a partir da década de 80, sofreram sucessivas metamorfoses e adiamentos, sem nenhum lançamento com sucesso até o presente, e com perspectivas pouco promissoras no horizonte previsível.

O programa de desenvolvimento de satélites de sensoriamente remoto em cooperação com a China foi iniciado como uma parceria razoavelmente equilibrada quanto a decisões programáticas e gerenciais e atribuições técnicas. Entretanto, como reflexo do grande descompasso dos respectivos programas nacionais, cresceu enormemente a ascendência técnica, gerencial e programática da parte chinesa, ficando a parte brasileira relegada a atuação coadjuvante, apesar de crescente participação orçamentária no programa.

O desenvolvimento de satélites de comunicações foi praticamente abandonado.

É notável e preocupante a desconexão do programa de satélites conduzido no INPE com os seus clientes potencialmente mais importantes. Um programa de caráter nacional, como se pretende o brasileiro, somente faz sentido se atender a uma gama de missões de interesse nacional amplo; sistema de defesa e uma grande quantidade de organismos que necessitam de comunicações e informações geográficas com cobertura total e contínua do território terrestre e marítimo.

3. Sustentabilidade Técnica e Econômica.

Uma característica importante de atividades econômicas envolvendo complexidade e diversidade tecnológica, ampla infra-estrutura e com longos prazos de maturação, é a elevação crescente do patamar de sustentabilidade técnica e econômica destas empreitadas. Haja vista a grande consolidação empresarial ocorrida em áreas como automobilística, aeronáutica, eletrônica, farmacêutica e inúmeras outras. Não há razão para esperar que a área espacial seja uma exceção a esta tendência.

O ritmo atual de produção e lançamento de 3 a 5 satélites por década é claramente insuficiente para a sustentabilidade técnica e econômica a esta atividade. Do ponto de vista técnico, este ritmo é insuficiente para manter um quadro técnico suficientemente motivado e proficiente para a condução das atividades num patamar mínimo de confiabilidade. Neste ritmo, a proficiência do quadro técnico tende a regredir e é praticamente impossível agregar e treinar novos profissionais para perpetuar o conhecimento adquirido anteriormente.

A ociosidade da infra-estrutura dedicada torna-se também extremamente alta, comprometendo seriamente a proficiências dos operadores de equipamentos caros e complexos.

O envolvimento e contratação de empresas privadas para prestação de serviços e componentes torna-se igualmente proibitivamente caro e arriscado, sobretudo daquelas empresas com grande dependência e dedicação a esta área. A alta intermitência de atividades nestas empresas ocasiona uma grande rotatividade de profissionais e dificuldade de manutenção de capacitação técnica. A inserção destas empresas em outras áreas de atividade é altamente desejável, mas difícil de ser realizada.

4. O que Deve Ser Feito?

Do ponto de vista puramente técnico, a formulação de um programa espacial sustentável e compatível com as necessidades e recursos do Brasil é tarefa que pode ser realizada com razoável confiança por profissionais com vivência prolongada na área e familiaridade com os principais programas espaciais desenvolvidos em outros países. A tarefa consiste em extrair destes programas um núcleo de missões com grau de complexidade não muito elevado, mas que ainda atendam a uma ampla gama de demandas dos diversos setores clientes potenciais de serviços de natureza espacial. Não se pode deixar de notar que os clientes iniciais destes serviços são em sua maioria os diversos órgãos do Estado.

Estas missões devem atender primordialmente demandas de comunicações e observação da Terra e devem prever um ritmo mínimo de três a seis missões anuais num prazo de cinco a dez anos para prover sustentabilidade técnica e econômica ao programa.

É razoavelmente seguro antever que tais missões envolvam a construção de plataformas com massa total de 500 a 4.000 kg em órbita baixa e massa de até 1.500 kg em órbita geoestacionária.

Esta definição fecha também os requisitos básicos de lançamento para um programa de veículos lançadores.

* José Nivaldo Hinckel é coordenador do grupo de propulsão de Departamento de Mecânica Espacial e Controle da ETE/INPE. Responsável técnico pelo projeto de desenvolvimento de propulsores monopropelentes a hidrazina para sistemas de guiagem e controle de atitude e órbita de satélites. É também coordenador do convênio de cooperação técnica entre o MCT/INPE e o MAI (Moscow State Aviation Institute).


Fonte: Blog Panorama Espacial - André Mileski

Comentário: Apesar de ser a opinião pessoal do autor onde não concordo com alguns pontos colocados pelo mesmo em seu artigo, sua visão me faz refletir sobre o que o mesmo diz sobre a ACS. Não tinha conhecimento da toxicidade e dos riscos de acidentes que esses propelentes que serão usados pelo Cyclone-4 poderão causar, ou seja, caso essa informação tenha veracidade, é mais uma coisa que futuramente poderá trazer grandes problemas para a empresa. Sinceramente a cada dia que passa fica claro que dificilmente essa empresa sairá do papel, e se sair, será um ralo por onde descerá rios de dinheiro público. É lamentável!

Comentários